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23/11/2016

Faça a coisa certa

Por que uma educação moral envolve muito mais do que obedecer a regras.

Era uma vez uma professora que acreditava ser capaz de formar alunos honestos, respeitosos e solidários. Com regras claras de disciplina e administração justa de punições e recompensas, ela manteria o bom comportamento da turma, enquanto, por meio de histórias com lições de moral, promoveria valores positivos, que seus alunos levariam para a vida adulta, felizes para sempre. Até a realidade mostrar que não era simples assim.

Desde 2005, um grupo de pesquisadores de várias universidades, como a USP, a Unifesp, a Unesp e a Unicamp, estuda os desafios da Educação Moral para entender por que os resultados nem sempre correspondem às boas intenções dos educadores. Buscando definir em que consiste uma personalidade moral e como a escola contribui para sua formação, pesquisadores do Gepem (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral) acompanharam por anos o cotidiano de diversas escolas e observaram que as estratégias descritas no início do texto, embora predominantes, são insuficientes.

Mais do que sermões e castigos em momentos pontuais da vida escolar, o grupo concluiu ser necessária a existência de um ambiente sociomoral justo e cooperativo, em que as palavras sejam consistentemente corroboradas por atitudes concretas de todos – professores, alunos, funcionários –, por momentos de reflexão crítica e debate e até mesmo por situações de conflito. Desde então, o grupo vem dividindo suas ideias com escolas interessadas no tema. É o caso do Colégio Albert Sabin.

“Temos grande afinidade teórica com o Gepem, cujas pesquisas nos servem de referência para alguns projetos”, diz Giselle Magnossão, diretora do Sabin. Assim, desde abril, uma pesquisadora do Gepem conduz encontros mensais de formação com a equipe do Colégio, voltados para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental I e II. “Queremos nos certificar de que nossos educadores sejam mediadores qualificados do processo de construção da personalidade moral dos alunos”, diz Giselle.

E, na base desse processo, uma pergunta crucial: é melhor que uma criança siga regras sociais por obedecer a pais e professores ou por identificar-se, de verdade, com os valores por trás dessas regras? A resposta – a chave de uma Educação Moral eficaz – é a diferença entre um remédio e uma vacina.

Segundo a perspectiva construtivista, liberdade é componente imprescindível de uma personalidade moral. Se durante os primeiros anos de vida a criança vive num estado de anomia (ausência de regras), a partir de certa idade ela já sabe que existem regras no mundo e autoridades às quais deve se submeter. Contudo, ela ainda não tem escolha. Sua conduta é heterônoma, definida por controle externo. É só quando passa a compreender o valor das regras e a segui-las (ou não) de acordo com a própria consciência que a criança adquire autonomia moral.

Mesmo adultos, vale notar, seguem condutas heterônomas; quando, por exemplo, são obrigados a obedecer a leis das quais discordam. Moralidade, porém – o conjunto de valores universalmente estimados, como justiça, honestidade ou generosidade –, requer uma personalidade autônoma para seguir fiel a esses valores, independentemente das circunstâncias. Mesmo quando ninguém estiver olhando.

“Como diz [o educador e psicólogo integrante do Gepem] Yves de La Taille, a educação não pode ser remédio, que resolve problemas de comportamento aqui e agora, mas não sempre. Formação moral tem de ser vacina”, diz Laércio Carrer, coordenador do Fundamental II.

Só que administrar a vacina leva tempo, demanda maturação cognitiva e afetiva dos alunos. Cognitiva porque o cérebro infantil nasce neurologicamente incapaz de se descentrar, de coordenar perspectivas diferentes da sua e de operar por hipóteses. Em outras palavras, de se colocar no lugar de um colega ofendido e pensar: “E se fosse comigo?” E maturação afetiva porque moralidade não é apenas entender o que se deve fazer, mas querer fazer. É aí que entra a importância do ambiente escolar.

Na convivência com professores e colegas, uma criança tira conclusões. Aos poucos, ela percebe que tipo de conduta é considerado positivo, baseada menos no que as pessoas dizem (sermões e lições de moral) e mais no que demonstram ao agir. Quais traços são mais admirados pelo grupo: a obediência ou o questionamento? O prestígio sobre os pares ou o cooperativismo? A força ou o respeito? Da experiência, a criança monta um sistema de valores e uma personalidade condizente, que reforça uma imagem positiva de si mesma. Esse resultado, dizem os pesquisadores do Gepem, não é obra de uma só pessoa bem-intencionada, mas de uma escola inteira, em que todos estejam alinhados sobre valores e normas morais.

Alinhamento, porém, não quer dizer pensamento único. Tudo, num ambiente sociomoral democrático, está aberto à divergência, inclusive os próprios valores, que servem de temas de assembleias e debates em sala de aula. É o que acontece, por exemplo, nas aulas de Filosofia do Sabin, que abordam temas como “bullying” e dilemas como “achado não é roubado?”

Ainda mais do que divergências de opinião, uma educação moral deve estar preparada para a existência de conflitos. “Estamos fazendo uma reflexão profunda sobre a postura do professor como mediador de conflitos”, diz a coordenadora do Fundamental I, Dionéia Menin. A ideia é não conter conflitos pela autoridade do professor (heteronomia), mas aproveitá-los como oportunidades para que os alunos expressem seus pontos de vista, entendam o outro e cheguem a conclusões sobre certo e errado (autonomia).

E é principalmente nesse ponto que os pesquisadores do Gepem têm ajudado a equipe do Sabin, quanto a estratégias mais eficientes de intervenção, como: utilizar linguagem descritiva sem juízos de valor e sem tomar partido; serenar os ânimos; quando necessário usar a autoridade, ser firme e breve; não expor alunos com reprimendas públicas (especialmente na adolescência, idade mais suscetível a essa situação); entre outras.