Para gostar de ler

Formada em jornalismo, Isabella Lubrano, 28 anos, queria se tornar repórter de TV e, como diz, “contar histórias por meio de imagens”. O sonho ficou pelo caminho, mas passou longe de virar frustração. Em vez de trabalhar numa emissora de TV, Isabella tem seu próprio canal. E nele conjugou o jornalismo com sua outra grande paixão: literatura. Booktuber de sucesso, ela está à frente do Ler Antes de Morrer, canal no Youtube dedicado a clá ssicos da literatura que já soma três anos e cerca de 124 mil inscritos. Nele, Isabella faz resenhas de livros, discute autores e suas obras e, principalmente, dá orientações a quem está a fim de mergulhar no mundo da leitura.

Como você se tornou leitora?
Graças, principalmente, ao estímulo da minha mãe e da minha avó, que sempre foram leitoras entusiasmadas. Minha casa sempre foi cheia de livros. Assim que minha mãe ouviu falar de Harry Potter, logo que chegou ao Brasil, ela correu para comprar e me apresentou. Ela sempre foi muito atenta à literatura que fazia sucesso entre crianças, para me estimular o tempo todo. Deu certo!

Qual o primeiro livro que lhe revelou o poder da leitura?
O primeiro que escolhi por conta própria, que me pegou, foi uma adaptação infantil de Romeu e Julieta. Lembro de ter me emocionado no final. Era criança, não sabia que os dois morriam. Chorei muito, não imaginava que dava para ficar tão triste por causa de um livro. Foi muito marcante.

Todo tipo de leitura vale para criar o hábito de ler?
Qualquer tipo de leitura é positivo para criar o hábito. Porque leitura é concentração. Ninguém aprende a se concentrar do nada. É como fazer academia. No começo é horrível, você tem preguiça, fica dolorida depois do primeiro dia de exercício, corre cinco minutos e já quer parar. Com leitura é a mesma coisa. Conforme vamos criando musculatura, conseguimos mergulhar numa leitura densa por horas. Mas isso se cria aos poucos. Não existe outra maneira de criar hábito a não ser lendo livros legais, fáceis. Sou muito a favor de se ler best-seller, revista, gibi. O que me incomoda é ficar só nisso. Você tem de se desafiar, esforçar-se para ser um leitor um pouco melhor.

É difícil seduzir nativos digitais para a leitura?
Existem iniciativas que são superlouváveis. Editoras que fazem adaptações dos grandes clássicos para quadrinhos, por exemplo, ou livros digitais nos quais você clica em um determinado trecho e assiste a um filme relacionado ao conteúdo. A tecnologia oferece possibilidades para tornar a leitura interessante. No entanto, não existe solução mágica. Leitura sempre vai ser um processo de concentração, necessita esforço. Podemos estimular, fazer as pessoas ficar curiosas; tento isso com meus vídeos. Mas a iniciativa de pegar um livro e arrumar tempo para ler tem de partir de cada um.

O Brasil, como se sabe, não é um país de leitores. Você teve receio de pregar ao vento?
No começo tive medo, sim. Não imaginava que meu canal pudesse se tornar sustentável. Mas, entre os 200 milhões de brasileiros, existem leitores. E leitores carentes de conteúdo de qualidade, principalmente na internet. O pouco conteúdo sobre literatura que existe você encontra nos jornais, nos suplementos culturais, que são pedantes, têm uma linguagem sisuda, que afasta muita gente, principalmente jovens, que não leem mais jornal. Existe uma ou outra iniciativa na TV a cabo também, mas é só.

Qual a maior demanda do público que acessa o seu canal?
Existe uma carência de orientação. A leitura tem um momento mágico. É quando o leitor pega um livro e descobre que ler é bom. Depois disso, abre-se uma porta. Só que, a partir daí, na maioria das vezes, falta orientação. O que vou ler em seguida? Esse é um problema brasileiro. A gente tem uma educação terrível, um Estado que não estimula a cultura, não incentiva a leitura. Boa parte das cidades brasileiras não tem biblioteca, muito menos livraria. Existem inúmeros casos de jovens que gostam de ler, mas ninguém na família tem o hábito. Os amigos não leem e, o que é pior, reclamam de que eles leem muito, que não saem de casa. Ou seja, além de não existir estímulo, existe desestímulo. É esse público que acaba descobrindo o meu canal. Ali, o sujeito primeiro descobre que não está sozinho no mundo. E depois passa a receber indicações de leitura.

O nome de seu canal é baseado no título do livro 1.001 Livros para Ler Antes de Morrer. Quantos livros você leu até o momento?
Na vida, não sei. No canal eu conto. Estamos em 141 [N.E.: até a terceira semana de agosto]. Nesse ritmo, levaremos uns 15 anos até chegar a 1.001 livros.

A pedido da Revista do Sabin, Isabella indica 10 obras que despertam o prazer de ler:

Antes do Baile Verde, Lygia Fagundes Telles
Nesse livro, estão reunidos 18 contos de uma das autoras mais admiradas da nossa literatura.

A Revolução dos Bichos, George Orwell
Uma fábula sobre o poder, escrita por um dos autores mais influentes do século passado. Animais de uma granja se revoltam contra os donos do lugar.

Crônica de uma Morte Anunciada, Gabriel García Márquez
O autor monta um fascinante quebra-cabeças de versões sobre o último dia de vida de Santiago Nasar.

Dois Irmãos, Milton Hatoum
O romance narra a tumultuada relação de ódio entre dois irmãos gêmeos de uma família libanesa que vive em Manaus.

Enclausurado, Ian McEwan
O narrador do livro é um feto, que, da barriga da mãe, escuta os planos dela e do amante – que é tio do bebê – para assassinar o marido.

Festa no Covil, Juan Pablo Villalobos
O autor mostra as entranhas do narcotráfico mexicano do ponto de vista do filho de um chefão do cartel.

Incidente em Antares, Érico Veríssimo
Numa sexta-feira 13, sete pessoas morrem em Antares. Como os coveiros estão em greve, os cadáveres insepultos perambulam pela cidade, expondo segredos de seus habitantes.

O Morro dos Ventos Uivantes, Emily Brontë
A autora tinha apenas 29 anos quando publicou, sob pseudônimo, esse livro, que trata de uma paixão proibida. Um ano depois, morreria de tuberculose.

O Papel de Parede Amarelo, Charlotte Perkins Gilman
Relato pungente sobre o processo de enlouquecimento de uma mulher devido à maneira infantilizada e machista como é tratada pela sociedade e família.

Persépolis, Marjane Satrapi
Autobiografia em quadrinhos da iraniana Marjane Satrapi. Ela tinha dez anos quando a revolução xiita tomou o poder no Irã.

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