Inseridas com cuidado e critério na escola, as tecnologias digitais têm muito a ensinar – e a encantar – os alunos.
Presente em quase todo o País, o murucututu é “uma das maiores corujas do Brasil, come insetos e roedores e usa o ninho abandonado por outras aves para chocar seus ovos”. Assim está escrito no Abecedário de Aves Brasileiras, livro que o AB Sabin usa para apresentar o alfabeto às turmas do Pré II. Para um aluno da professora Daniela Machado, porém, o verbete não era suficiente. “O murucututu é bom ou mau? Que som ele faz?”, perguntou a criança.
Daniela não sabia, mas tinha como saber. “Não sei. Vamos descobrir juntos?”, propôs, convocando a classe para uma pesquisa pela internet. A proposta da professora e a naturalidade com que foi recebida pelos alunos – nativos do mundo digital, alguns dos quais aprenderam a dizer “põe no Google” antes mesmo de saber ler e escrever – ilustram bem a forma como Sabin e AB Sabin utilizam as tecnologias da informação na Educação Infantil: como mais um recurso didático, complementar aos livros e materiais escolares; como fonte de conhecimento à qual recorrer quando surgirem questionamentos; e, sobretudo, como fonte de encantamento. Mas encantamento, ressalta Daniela, não pela tecnologia em si, mas sim pela descoberta, pelo prazer de aprender coisas novas.
“O professor não é mais o centralizador do saber, é mediador, e as tecnologias são mais uma ferramenta que ele tem para ensinar”, diz a professora, que tem pós-graduação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) em Educação Moderna e hoje cursa pós-graduação em Neurociência Aplicada à Educação na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. “Um caso como esse, em que a criança sentiu uma vontade pessoal de aprender e sabia que, por meio da tecnologia, teria a resposta, demonstra um grande aprendizado”, diz Daniela.
Com um celular comum, ela argumenta, alunos e professores podem sair pelo Colégio pesquisando diversas coisas de seu interesse, como as características de um inseto encontrado no bosque ou uma receita de chá feito com uma plantinha da horta. E isso para ficar apenas na consulta à internet, que não é a única aplicação possível de recursos como celulares e tablets na escola, dada a infinidade de aplicativos educativos criados para diversas idades.
Apesar dos ganhos pedagógicos, porém, o uso de tecnologias digitais na escola – especialmente na Educação Infantil – não se dá sem critérios e cuidados. Doutora em Neurociência e coordenadora da pós-graduação que Daniela está cursando na Santa Casa, a pesquisadora Carla Tieppo conhece os benefícios – e os riscos – que as tecnologias digitais representam para o desenvolvimento cognitivo, físico e emocional da criança. Para ela, é inegável que desenhos, vídeos e jogos podem ser benéficos – “afinal, estamos falando de outras formas de estímulo, e a coisa mais importante para o cérebro é ter estímulos”. O problema, diz Carla, é o contato excessivo com o meio digital em detrimento do contato com o mundo real.
A pesquisadora justifica assim a recomendação da maioria dos pediatras, de limitar o tempo de exposição da criança às telas (de TVs, tablets, celulares, etc.): “Especialmente nos dois primeiros anos de vida, esse tempo de tela subtrai o tempo dos estímulos de alta qualidade, que efetivamente moldam o cérebro da criança para o mundo concreto, que tem profundidade, textura, volume”. Além disso, acrescenta, “tudo no ambiente digital é controlado, [a criança] tem tudo na ponta do dedo. E na vida real as coisas não são assim: a gente não consegue dar pause nas pessoas, fazer voltar o que alguém falou. [Isso gera] prejuízos importantes em relação à atenção alternada” (capacidade de alternar o foco entre mais de um estímulo ou tarefa).
Se é difícil, porém, para pais e mães controlar o tempo dos filhos em frente a uma tela em casa, Carla crê que os educadores têm total condição de fazê-lo. “A escola pode proporcionar estímulos variados e sistematizar uma interação de qualidade entre o real e o virtual”, diz ela. “Inclusive, se é para alguém fazer essa aproximação da criança com o ambiente virtual, que seja a escola”.
Segundo Dionéia Menin, coordenadora pedagógica da Educação Infantil e do Fundamental I do Sabin, o uso da tecnologia “não é nem carro-chefe nem obrigatório” no projeto do Colégio. O objetivo, diz a coordenadora, tem de ser o mesmo de qualquer outro recurso didático: a exploração e o aprendizado decorrente de seu uso. “Se uma criança pequena explora o movimento da mão para desenhar um 8 na areia ou na tela de um tablet, ela está explorando e aprendendo”.
Para o assessor de Tecnologias Educacionais do Sabin e do AB Sabin, Paulo Fontes, games e aplicativos usados pelas professoras têm muito a ensinar – sobre o formato dos números e letras, sobre cores, sobre higiene bucal, etc. –, e é natural que a tecnologia seja atrativa para as crianças, “por aproximar a escola do mundo doméstico, onde elas têm a TV, o tablet e o smartphone dos pais”. Mas, até pelas crianças já terem essas ferramentas em casa, diz o assessor, a escola deve utilizá-las com parcimônia e discernimento, dando preferência aos brinquedos físicos, às atividades manuais e táteis e, principalmente, às brincadeiras coletivas ao ar livre. “O brincar ao ar livre é essencial na escola; é o último lugar onde isso ainda é preservado”, diz Paulo.
Garantido esse equilíbrio entre os mundos real e virtual (com predomínio do primeiro), Paulo lembra que a presença dos eletrônicos na escola atende a um objetivo expressamente previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que coloca, entre as competências gerais desenvolvidas pela Educação Básica, “compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação […] para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva”. Em outras palavras, diz o assessor, é preciso “que a criança cresça com a noção de que as tecnologias são ferramentas de descoberta, de aquisição de informação, de aprendizado”. Uma maneira de saciar a curiosidade natural que cada indivíduo traz desde pequeno – seja sobre um inseto encontrado no bosque, seja sobre uma plantinha da horta, seja sobre o canto de uma majestosa e fascinante coruja.