Democracia estampada na roupa

O que o código de vestimenta do Ensino Médio ensinou aos alunos e à própria escola

Numa sexta-feira de calor, em novembro do ano passado, mais de uma centena de alunos e alguns professores do Ensino Médio encontraram-se para discutir shorts femininos. Não era o único assunto em pauta. Naquela tarde, reunidos no Anfiteatro Picasso, alunos e professores deliberavam se deveria ser permitido vir ao Colégio de chinelos de borracha, usar bonés em sala de aula, vestir regatas, entre outras opções de vestuário que dividiam opiniões na turma.

A discussão envolvia questões delicadas. Dizia respeito a valores e concepções pessoais de certo e errado, mas também a regras de convivência em sociedade, a sexismo e tolerância, a liberdades individuais e deveres coletivos. Poderia ter sido um episódio desgastante, mas o clima não era de enfrentamento. Organizados em assembleia conduzida pelo grêmio estudantil, os alunos cumpriam a pauta ordenadamente, com tempo para argumentações contra e a favor da liberação de cada peça de vestuário em debate. Assistindo a tudo como conselheiros, os professores presentes manifestavam-se somente quando chamados. Naquela tarde, estava nas mãos dos alunos decidir o novo código de vestimenta do Ensino Médio do Sabin.

No Sabin, o uso de uniforme escolar é obrigatório somente até o 9º ano do Fundamental. Durante o Ensino Médio, uniformes são exigidos apenas para a Educação Física (e avental, sapatos fechados e calça, para as aulas de laboratório). Há uma razão pedagógica para isso. “Entendemos que também é função da escola educar para a adequação social”, diz Áurea Bazzi, coordenadora do segmento. “O uniforme tiraria deles a responsabilidade de terem de se vestir adequadamente ao contexto escolar”.

O problema da adequação, porém, é que não se trata de critério objetivo. Mesmo com o descarte de opções extremas, o conceito de “adequado” varia de pessoa para pessoa e, ao longo do tempo, sofre mudanças. Há cerca de 20 anos, chinelos de borracha não tinham a aceitação social que adquiriram recentemente. O questionamento que alguns alunos vinham fazendo à Coordenação, portanto, era nada além do razoável: se meninas podiam vir à escola de sandálias rasteirinhas, por que proibir os chinelos?

A regra não estava escrita, mas era observada por todos, tacitamente, desde os primeiros anos de atividade do Sabin. Da mesma forma, em nenhum lugar se definia um tamanho adequado de saias, vestidos e shorts para as meninas – outro tema que a evolução dos costumes tornaria controverso. “A questão estava posta, as conversas existiam”, diz Áurea, que em setembro chegou a recomendar às alunas que vestissem roupas um pouco mais compridas, em nome da adequação à imagem e aos propósitos do Colégio. Mas ela sabia que não era o bastante. “Os alunos tinham reivindicações legítimas. Nós precisávamos ter esse diálogo com eles, e teríamos, mas num fórum apropriado”, diz.

A assembleia foi agendada para a sexta-feira, 13 de novembro, com participação aberta a todos os alunos do Ensino Médio e a representantes de classe do 9º ano. Dias antes, o professor de Sociologia Uyrá Lopes dos Santos havia ministrado aulas especiais sobre esferas públicas e privadas, introduzindo conceitos e propondo reflexões pertinentes à discussão. “Era importante ouvi-los; afinal, são os jovens que ‘quebram’ o estado das coisas e mudam o mundo. Mas eles têm de opinar com responsabilidade, não podem participar de debates como ‘comentaristas de Facebook’”, diz o professor. Segundo ele, era preciso deixar claro que a decisão do grupo não diria respeito apenas a eles, mas a todos os envolvidos na comunidade do Sabin: alunos, pais, professores, funcionários.

Arthur Alexandre Andreis, da 2ª série D do Ensino Médio, considera inapropriado vir à escola de chinelos ou usar bonés em sala de aula. “É questão de formalidade, como num ambiente de trabalho”, diz o aluno, que está em minoria entre seus colegas. Os dois itens foram permitidos pelo novo código de vestimenta (veja quadro). Mas Arthur não guarda mágoa: “Mantenho meu ponto de vista, mas respeito a decisão da maioria”.

Para Uyrá, cujo programa pedagógico de Sociologia inclui uma introdução à Ciência Política, a postura de Arthur é exemplo a ser seguido: “Fazer política implica ouvir o outro. Tentar convencer pelas ideias, mas também se deixar ser convencido e fazer concessões”. Para o professor, o episódio foi “uma aula de democracia”: “Nos dias de hoje, isso talvez seja mais importante do que muita prova”.

Marcelo Henrique Alonso, da 3ª série C, foi um dos que votaram a favor dos bonés. “Na nossa idade, a roupa ajuda a criar uma identidade. Eu me sinto muito mais confortável de boné e agora tenho essa liberdade. Isso reforçou nossos laços com o Colégio”. Na votação sobre os shorts femininos, porém, Marcelo preferiu se abster: “Eu entendi que, se votasse ali, estaria interferindo no direito das meninas de escolherem o que vestir”, diz o jovem, que, no entanto, não critica os meninos que votaram na questão.

Para sua colega de turma Caroline Massadi, o tamanho da roupa, como o boné para Marcelo, também diz respeito à expressão da identidade de cada um. “Quando uma menina usa shorts curtos, não quer ‘expor o corpo’; quer expor quem ela é, da forma como se sente confortável”, diz Caroline, que não se incomoda com o tamanho decidido em assembleia. “Não foi uma imposição da escola, foi uma decisão de todo mundo”.

A maturidade com que os alunos viveram a experiência não passou despercebida pelos professores. “O exercício ensinou muito à própria escola”, diz o professor de Geografia Augusto Ozorio, que, ao lado de Uyrá, atuou como conselheiro do Grêmio Albert Sabin. “Inclusive, que nós precisamos – e podemos – confiar nos alunos para tomar decisões como essas”. Para o professor, se por um lado o Sabin provou estar aberto a mudanças, por outro os alunos provaram estar dispostos a participarem da construção das práticas de convivência e a serem agentes de nossa Comunidade Educativa.

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