“A maior descoberta da Neurociência para a Educação é a de que não somos todos iguais”. Assim começa a entrevista com a doutora em Neurociência Carla Tieppo, professora e pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, onde coordena a Pós-Graduação em Neurociência Aplicada à Educação. A frase parece óbvia, mas o contexto justifica sua reafirmação. Segundo Carla, até recentemente, educadores baseavam-se nas Ciências Humanas – Pedagogia, Psicologia, Sociologia, Antropologia, etc. –, “no estudo do homem a partir da perspectiva de sua subjetividade”. Desde os anos 1980, porém, avanços tecnológicos viabilizaram novos conhecimentos objetivos sobre o funcionamento cerebral, com implicações na área escolar. O que Carla aponta é que, para surpresa de quem julgava reducionista pensar a educação pela ótica das Ciências Biológicas, o efeito foi o contrário. Nenhum cérebro é igual a outro. Cada estudante tem seu ritmo, suas habilidades e hábitos preferenciais, determinados, também, pela fisiologia. A seguir, Carla explica como a Neurociência contribui para o melhor entendimento – e melhor condução – do processo de ensino e aprendizagem.
Que exemplos de descobertas recentes da Neurociência influenciam o trabalho do educador?
Eu chamaria atenção para duas descobertas que podem ser exploradas de forma muito positiva. A primeira é a formação das redes hierárquicas dentro do cérebro, especialmente do córtex cerebral, que é onde criamos significados, símbolos, onde vamos generalizando ou discriminando as coisas. O córtex é fundamental para todas as funções mais complexas que o homem executa: a linguagem, a arte, a engenharia, as ciências. Essas diferentes estruturas se formam a partir de conhecimentos anteriores de menor complexidade, e o estudo da hierarquia, da integração desses conhecimentos, leva à compreensão de como um indivíduo aprende. Um segundo aspecto relevante é a compreensão de como as memórias procedurais – memórias implícitas, aquilo que eu nem sei que sei, mas automaticamente executo, como andar de bicicleta – também influenciam a formação do raciocínio matemático e a compreensão de um texto.
Qual a importância do hábito, de se ter uma rotina regular de estudos, com hora e local certos?
O hábito é o resultado de um comportamento construído a partir de uma intenção específica, que foi atingida. Isso é o hábito: eu tinha uma intenção, executei um comportamento, atingi meu objetivo e, a partir daí, fiz sempre da mesma forma, porque os circuitos já estão sensibilizados, pré-ativados. Vamos dizer que uma criança tem o hábito de estudar às quatro horas da tarde. Ela chega em casa, almoça, brinca um pouco, descansa… Às quatro, ela desperta, alerta para estudar. Todo o sistema de atenção dela está preparado para aquele momento. Uma das coisas mais maravilhosas que o cérebro tem é que, quando pode prever o que vai acontecer, ele se prepara. Quando temos hábitos que respeitam horário e local, é muito mais fácil realizar um comportamento. Agora, o jeito de você fazer isso não é através de um conjunto de regras, mas pela percepção dos resultados. A criança precisa perceber que, quando tem um hábito de estudo, ela não precisa estudar muito, antes da avaliação. Ela pode gastar as mesmas horas de estudo e ter um resultado melhor se fizer isso de forma sistemática e sequencial. Em vez de impor regras, é importante trabalhar com os benefícios.
O quanto da rotina de estudos pode ser definido pelas preferências pessoais
do estudante?
Todos nós temos ritmos atencionais próprios. Alguns de nós são matutinos, outros são vespertinos. Isso está comprovado cientificamente. Nós produzimos determinadas proteínas que favorecem um determinado nível de atenção num horário ou em outro. As pessoas que acordam bem-dispostas terão uma sonolência maior depois do almoço ou no fim da tarde. Já aquelas que acordam modorrentas, mais para o fim da tarde, devem ficar mais ativas. A grande questão é: escola sempre tem o mesmo horário, então nem sempre você pode respeitar isso. De qualquer forma, vale a pena ouvir esses posicionamentos de preferência, porque ir ao encontro das preferências é sempre mais favorável do que brigar com elas.
Há estudantes que preferem estudar ouvindo música ou vendo TV. Dá para estudar assim?
Sempre tem a questão que pode não ser só preferência, mas o fato de o jovem não querer ficar atento, querer fazer a lição de qualquer forma. Aí, para passar o tempo mais rápido, ele se distrai com a música ou a televisão. Mas também existe aquele indivíduo para quem a música aumenta a capacidade de foco. Então, tem de ver a qualidade do estudo. Se a qualidade do estudo com música for boa, deixe ouvir música. Se não for boa, precisa rever a forma como se estuda.
Mais da metade dos nossos alunos cita a produção de resumos e resenhas como sua técnica de estudos mais utilizada. É uma técnica eficaz?
Na verdade, a produção textual é muito boa. É o aluno se apropriar de um conteúdo e produzir um texto sobre ele. Só que o resumo passa, muitas vezes, pelo processo de cópia, então tem de tomar um pouco de cuidado. Mas de novo: a melhor técnica de estudo é sempre aquela com a qual o indivíduo se dá melhor. Se ele gosta de fazer um mindmap, um fluxograma, slides com imagens, então essa é a forma. O importante é cada um descobrir qual é a sua. Em geral, a leitura pura e simples não é adequada, porque, se o indivíduo não produz nada, ele não constrói conhecimento. Seja uma produção gráfica, seja uma produção de texto, seja até mesmo uma exposição oral – fazer um vídeo, contar para alguém –, se você produz algo, você tem um estudo de alto rendimento.
Nesta edição, temos uma matéria que fala sobre os benefícios do Xadrez para o desenvolvimento do cérebro. Que outros jogos a Sra. citaria como benéficos?
Todo jogo de estratégia, que requer atenção e flexibilidade cognitiva, é bom. War é bom. Batalha naval é bom, jogos de cartas, de tabuleiro. Tudo isso é favorável. Mas o mais importante é a variabilidade: fazer atividades diferentes umas das outras. A repetição é ruim. No Xadrez, é possível repetir, porque vai aumentando o nível de complexidade, mas nos outros jogos, não. Nesse caso, a repetição seria apenas uma perda de tempo, em termos de estímulo cerebral.